Sensual Passion

Estou aqui a rodar os cubos de gelo do meu gin tónico e a pensar com os meus botões - não, não é com os meus botões, é com este buraco enorme que me cresceu algures entre o estômago e o peito - mas dizia eu, estava aqui a pensar que é incompreensível que os teus dias corram ligeiros na minha ausência.

Não deviam, é claro que não, o teu espaço devia estancar e o teu universo desfigurar-se de pernas para o ar, as horas suspensas ou em andamento de câmara lenta, cada segundo uma dolorosa eternidade. Era assim que devia ser. O mundo pararia de girar e no ar, ficaria apenas a poeira cintilante da minha presença largada. Não percebo, não encaixo esse existir fora de mim, cheio de encontros e jantares e conversas.

Quero-te concentrado, preso a cada milímetro da minha pele por tocar, a cada curva do meu corpo que apenas adivinhas, ao fio invisível da minha água de colónia, às notas encantadas que flutuam no meio de nós, às palavras invisíveis e por dizer.

Mas não, vejo-te, algures, do lá de lá do mundo , a rodar o teu conhaque no meio de uma sala barulhenta, a opinar insignificâncias com o olhar levemente preso a coisa nenhuma.

Deste lado, eu exorcizo-te em letras derramadas, amplio-te e gozo-te à minha (des)medida, vivo a hesitação dos gestos e a entrega imoderada que se lhes segue, permito que me aconteças e preencho a solidão com dizeres infames e movimentos do corpo.

Faço-o aqui, onde te reinvento a cada linha, onde já nos amámos muito além das mil e uma noites, onde já me prometi a ti e tu recebeste-me nos braços e eu enrolei-me neles, num estranho aprisionamento de contorcionista.

É assim que te quero ou então, quero-te, simplesmente, numa alquimia anunciada.

E aqui a arte abraça o conto.